sexta-feira, 30 de abril de 2010

Dia da Mãe - 2 de Maio


Não sei bem quando foi, mãe. Apenas sei que havia um caminho, o céu, tu e eu.

Íamos andando silenciosamente pelo caminho liso, e nascia do ar uma música levezinha, feita do calmo encanto do vento sobre os campos. À nossa beira nasciam papoilas sorrindo. Vinha ter connosco o perfume branco e agreste que fugia dos campos escondidos, e, dentro de mim, deslizava um grande mar de emoção. E então, minha Mãe, então eu descobri em ti o sorriso trémulo da papoila mais leve e amarrotada pela música do vento. Então eu fui pelos caminhos lisos e desfeitos dos teus cabelos soltos, em busca da tal papoila contente que eu encontrara em ti.


E quando o sol deixou tombar os olhos cansados, de mansinho, eu descobri que a cada amanhecer dos teus olhos havia também um poente, mãe. E quando no pressentimento da noite, a luz quieta e pura veio descansar a sua claridade no silêncio triste do entardecer, então eu descobri o brilho fugidio e doce da tarde no teu olhar, a força pura das árvores solitárias nos teus gestos e a pureza calma dos lagos anoitecidos no teu coração.

Depois, mãe, quando a noite era já profunda e calma sobre nós, eu peguei na música do vento e no meu sonho e fiz daí um hino comovido ao mistério simples que nos une. E no fim, quando as estrelas vieram chorar os seus desejos brandos sobre o mundo, eu sentei-me junto de ti, encostei a cabeça aos teus joelhos e na paz doce da tua presença, na noite, eu chorei com as estrelas, feliz só de me lembrar que te tinha

terça-feira, 27 de abril de 2010

Primavera



Esta manhã, em redor da minha casa, o mundo parecia dormir despertado apenas pelo bando de passarinhos que vão chegando aos poucos e não se cansam de cantar. Abri também as minhas asas e fui por aí fora… Antes, dei corda ao meu velho relógio de parede, tão velho como eu. Deixei-o retalhando o tempo com o seu tiquetaque já não tão sonoro como antigamente. Será que a alma das coisas se vai gastando? Não sei!
Deliciei-me com o meu passeio a pé. A natureza expande-se em força neste novos dias. Acredito que há risadas entre os ramos que se estendem depois do atrofiamento do Inverno. Penso na citação de Duhamel: “ Comunicando o que descobres trabalhas para os outros e para ti ao mesmo tempo. Dás uma forma ao teu sonho e entrega-lo assim, perfeito, a quem quiser colhê-lo… Fala, fala sempre do teu sonho.”
E eu falo. Falo sempre do meu sonho (não a toda a gente), deste sonho que colhi e guardo na minha alma. Acredito que chegarei à foz do rio, apesar das represas que vou encontrando, algumas bastante difíceis de transpor. Quando não consigo, deixo-me ir ao sabor das águas e às vezes, quantas agradáveis surpresas… Nem sempre é mau deixarmos que a vida nos leve. Outras vezes mergulho nas recordações para ganhar energias. De novo cito Duhamel: “Não acrediteis que possuir uma recordação é possuir um mundo morto. O mundo das lembranças vivas está indissoluvelmente ligado às nossas ocupações e aos nossos actos que ao acumular recordações, temos a impressão de preparar, de edificar o nosso próprio futuro.” Acredito que assim seja. Neste tempo de Primavera são vitaminas que vou tomando e que são precisas para retemperar forças.
É admirável que a minha “juventude” se revele, de novo, tão depressa apesar de tantas preocupações e solidão do coração. A mocidade (pelo menos a interior) é como este tempo, renasce sempre, ou de vez em quando, e eu faço também por isso.












A Primavera no meu jardim...


quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Meu Cristo

.
Senhor:

Encontrei-Te num antiquário…
-Vê onde já Te põem –
Chamaste-me desde logo a atenção.
Não porque estivesses morto
Ensanguentado
E de braços estendidos…
Mas sim porque não tinhas cruz!
Não sei se foi generosidade
Do autor,
Tirar-Te a cruz
Que carregas há mais de dois mil anos.
Foi, no mínimo, insólito.
Não resisti
E trouxe-Te comigo.
Talvez não fosse por amor
Ou por piedade…
Talvez pensasse só em mim.
Irias ficar na parede branca
Do meu quarto
Sobre o meu leito
De solidão e angústias.
Com a Tua cabeça reclinada
Serias obrigado
A olhar-me todas as noites.
“Ainda bem que O trouxe…
Não tem cruz
Bem pode carregar com a minha”…

- Como te enganas…
Não tenho cruz

Porque desde sempre

Carrego a dos teus irmãos

E a tua , filhinha!

domingo, 18 de abril de 2010

A Rua da Morgue



A Casa Mortuária ficava encravada (tal como a morte) no topo de uma pequena rua sem saída… a não ser para o cemitério!
Era estreita, de comprimento teria pouco mais de cem metros e convivia serenamente, o que era natural, com a sua vizinhança. De um lado um dos muros e o portão de serviço do Colégio Nuno Álvares. Do outro umas três ou quatro casas geminadas, do princípio do século vinte, com uma varanda corrida com um muro baixo com pequenas colunas, onde os moradores se debruçavam para ver o cortejo fúnebre passar.
Esta capela, que a mim mais me parecia um açougue, ficava nas traseiras do Hospital Distrital de Quelimane, bem lá no fundo para que os doentes não se apercebessem que havia menos um hospitalizado e mais um encravado na Rua da Morgue.


Mesmo em tempo de muito calor aquela capela era fria. Completamente despida, de paredes muito brancas, tinha dois bancos corridos em pedra, um de cada lado e uma Essa no meio em mármore branco duma frieza que gelava. O único agente funerário existente na cidade (acho que se morria pouco em Quelimane…) o senhor Regalado, até o nome combinava bem, conseguia colocar alguma dignidade naquele frigorifico, com panos roxos lavrados simples ou bordados a ouro de acordo com a conta bancária do finado.
Durante muito tempo tive medo da morte, dos mortos e daquela rua…
Talvez por ser estreitamente sinistra, sem saída, os instrutores de condução gostavam de lá

levar os seus alunos a fazer manobras de inversão de marcha, estacionamento entre dois carros e outros exercícios testando não só a perícia do aluno mas também a sua coragem.
Quando comecei a ter aulas de condução foi uma das coisas que pedi ao meu instrutor:
- Por favor não me obrigue a fazer manobras na Rua da Morgue!
- Mas porquê?
- É que se a casa mortuária estiver aberta e com um morto lá dentro… eu fecho os olhos!
- Ora menina, deve ter medo é dos vivos e não dos mortos!
Mas devo ter mostrado tal pânico que o instrutor nunca me deu aulas naquela rua.
Uma amiga minha, que também andava nas aulas de condução, nunca se negou a fazer exercícios ali e até achava que era uma rua óptima para se ganhar confiança ao volante.
- Mas já lá fizeste manobras em dias de funeral? - perguntava eu espantada com tanta firmeza.
- Nunca calhou mas não me preocupo, afinal, o morto não vem atrás de mim…
Nem de propósito! Na semana seguinte morreu um VIP. A pequena capela tinha as suas pequenas portas escancaradas. Não cabia lá nem mais uma agulha. As pessoas com os seus ramos de flores ocupavam os pequenos passeios e quase toda a rua.
A minha amiga entrou com o carro de instrução devagarinho.
O instrutor disse-lhe:
- Tenha calma. Vamos fazer a inversão de marcha ao chegar ao primeiro grupo de pessoas.
Ela suava completamente desnorteada e acelerou.
- Não é aí! Utilize o travão. – mas o pé da minha amiga estava definitivamente colado no acelerador.
As pessoas só tiveram tempo de dar um grande salto e encostarem-se apertadinhas nos passeios, enquanto ela acelerava mais galgando o pequeno degrau, entrando pela morgue de encontro à urna funerária.
Abriu conforme pôde a porta do carro e correndo desesperada gritava:
- Eu matei-o! Eu matei-o!
O instrutor corria, também, atrás dela, dizendo-lhe:
-Não, ele já estava morto. Ele já estava morto!...


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sinfonias


Era uma varanda deitada para o sol-pôr.
Do outro lado da rua, as acácias davam -me os bons -dias. Por detrás delas, num terreno privado, algumas flores tropicais misturavam-se com magotes de papaieiras… sempre tão carregadinhas! Mais ao fundo, uma velha mangueira distribuía a sua sombra nos dias de grande canícula… Quantas vezes, ainda garotos, fizemos piqueniques debaixo dela… Na outra esquina, um vasto terreno com um renque de palmeiras era habitat natural de imensos pássaros que ali pernoitavam… Defronte, o velho Sporting sorvia todo o movimento e algazarra da rua. Ainda estavam longe os tempos de ser entaipado com a modernidade… O sol despedaçava-se nas grandes copas das árvores da rua, fugindo, enquanto a vermelha poalha de luz virava anil e depois subitamente roxa e laranja com esse impalpável toque de cor que só na minha cidade conhecia.


Cresci com aquelas árvores e, de tanto as contemplar na tarde lenta e recolhida, tornaram-se para mim como símbolos de vida. Eram como os sonhos, as ilusões e as dores de uma adolescência. No peito de cada um de nós há um coração moldado pela vida e pelo espaço que nos rodeia.
Mas um dia… os pássaros deixaram de cantar. Ouvia-se apenas o som metálico das máquinas a deitar tudo abaixo. As palmeiras retorcidas no chão erguiam aos céus os seus ramos num pedido inglório, sem conforto. Senti que também haviam cortado as minhas asas.
À noite deixaria de ouvir o canto nostálgico do sacerdote muçulmano que, do alto do minarete da Mesquita, convidava os seus fiéis à oração. Ao passar pelos ramos das palmeiras, o som tornava-se misterioso, quase coado em cada nota.
Do outro lado, quando o dia acordava, rompendo da noite como um rebento de fruto, era o toque dos sinos da Igreja que despertava a fé como um recado de Deus aos seus filhos…


Em cada manhã tudo começava de novo e em cada minuto tal como os frutos, eu amadurecia.
Ao sair para o trabalho chegava-me do meu pequeno jardim o apelo intensamente branco do jasmim coalhado de pequeninas flores brancas enquanto a rainha da noite, que embriagara as horas adormecidas, rescendia ainda no seu perfume a que eu não resistia… Respirar, sorver, respirar… Ali estava encerrada toda a poesia e sedução. Olhava o céu muito azul, as minhas árvores e o meu coração dizia baixinho:
Vou-me ficar de braços estendidos
Com as palmas abertas para os céus
E nas pontas dos dedos os pedidos
Que só murmuro a Deus.


Quando a rua se encheu de prédios altos, ficou uma nesga entre dois deles, pela qual, ao longe, a copa esfiada de uma árvore, me acenava todos os dias.
Poema é símbolo das coisas: das árvores, da minha rua, do meu jardim e da varanda deitada para o sol-pôr…
Que saudades que são as árvores velhas,
E as velhas ruas têm outro acento;
Porque não hei-de então ser como elas
Que têm mais encantos com o tempo?


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Futebol Nocturno



Agora que estamos mais perto do Mundial de Futebol e que o desporto-rei toma conta das televisões, jornais, revistas e conversas, achei mesmo a propósito este texto de Michel Quoist:



Futebol Nocturno

Os homens gostariam quase sempre de estar, no tempo e no espaço, onde não estão. Perigosa ilusão. O lugar de cada um no mundo é um desejo eterno do Pai em relação a ele. Para que a sua vida tenha êxito, para que a humanidade tenha êxito, graças a ele, o homem, cada homem deve estar o mais perfeitamente possível presente no seu lugar.

…………


No Estádio, esta noite.
A noite remexia-se, povoada de dez mil sombras.
Logo que os reflectores tingiram de verde o veludo do imenso relvado,
A noite entoou um coral, alimentado por dez mil vozes.
É que o mestre cerimónias dera o sinal para começar o ofício.

A imponente liturgia desenrolava-se perfeitamente em ordem.
A bola branca voava de oficiante para oficiante como se tudo tivesse sido preparado de antemão, minuciosamente.
Passava de um para outro, corria pelo relvado ou voava por sobre as cabeças.
Cada um lá estava no seu lugar, recebendo-a por sua vez, com chutos compassados passava-a a outro – e o outro lá estava para receber e dar o passe.
E porque cada qual fazia o seu trabalho, no lugar onde era preciso,
Porque cada qual dava o esforço pedido, porque cada qual
Sabia que precisava de todos os outros,
Lentamente, mas com segurança, a bola ia avançando.
Após ter reunido o coração dos onze jogadores,
A equipa atirou a bola
E marcou o tento da vitória.


Quando penosamente, à saída, escorria a multidão imensa pelas ruas estreitas,
Eu pensava, Senhor, que a história humana, para nós uma longa partida, era para Ti,
Essa grande Liturgia.
Prodigiosa cerimónia começada na aurora dos tempos e que só terminará quando o último oficiante tiver executado seu gesto derradeiro.
Neste mundo, Senhor, cada um tem o seu lugar.
Treinador previdente, desde sempre no-lo destinavas.
Precisas de nós neste lugar, os nossos irmãos precisam de nós e precisamos de todos.
Não é o posto que ocupo que é importante, mas a perfeição e a intensidade da minha presença.
Que eu esteja à frente ou atrás, isso que importa, se eu for ao máximo aquele que devo ser…
….

Não me refugiei por demais no meu canto, criticando os esforços dos outros, com as duas mãos enfiadas nos bolsos?
Guardei bem o meu lugar e quando olhavas o nosso campo ter-me-ás lá encontrado a postos?
Recebi bem o passe do meu vizinho e o passe do outro lá no fim do rectângulo?
Servi bem os colegas de equipa, sem fazer um jogo pessoal de mais para me pôr em evidência?
Construí o jogo para que a vitória fosse alcançada e todos contribuíssem?
Lutei até ao fim apesar dos insucessos, das pancadas, das feridas?
Não me perturbei pelas manifestações dos companheiros e dos espectadores? Não desanimei pelas incompreensões e recriminações? Não me vangloriei com os aplausos?


Estou de volta agora, vou descansar nos balneários.
Amanhã, se deres o sinal de saída, jogarei de novo um meio tempo…
E assim cada dia
Faz que esta partida, celebrada com todos os meus irmãos, seja a imponente liturgia que Tu de nós esperas. A fim de que, quando deres o último apito, interrompendo as nossas vidas, sejamos seleccionados para a TAÇA do CÉU.

Michel Quoist

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Vermelhinho



Era um chaço mesmo… andava porque tinha quatro rodas e um motor, e pouco mais. Tinha uma cor de ervilha cozida e crua porque a variedade de verde misturava-se como se fosse uma salada. Em alguns lados apresentava amolgadelas que lhe conferiam um certo sainete… Os amigos diziam:
- Parece que andou na guerra!
A resposta que recebiam era sempre a mesma:
-Tem estilo, como o dono.
No entanto, simpaticamente, o piloto do tal "bólide" oferecia sempre boleia aos amigos que andavam a butes. Aos que iam atrás recomendava-lhes:
- As portas não abrem bem… mas dêem-lhes uma cotovelada que isso vai…
Não me lembro da marca do veículo, se é que a tinha! O destemido condutor adorava percorrer calmamente a famosa recta que ia desde o Padeiro, ao quilómetro cinco, até à curva para Namacata. Os Fângios faziam corridas por ali, em grande alvoroço e barulheira. Talvez ele gostasse de fazer o mesmo mas o chaço não dava para essas coisas. Quando os outros o ultrapassavam, em altas velocidades, a latinha de ervilhas abanava toda…
Ele mostrava-se indiferente, contemplando a paisagem que, à berma da estrada, era generosa e variada. De um lado nenúfares a perder de vista de encontro ao palmar que confinava com o novo aeroporto, do outro, os extensos arrozais e, logo depois, aquela planície nua ou quase nua, onde se destacava uma velha casa de rés de chão e primeiro andar à beira de um pequeno carreiro que por lá passava a caminho de nenhures…
Andava nestas passeatas quando, vindo do nada, mais um Fângio passou por ele na gáspea. A latinha quase que fez pião! Quando a nuvem desapareceu, notou que uma roda, ziguezagueando, passeava no outro lado da estrada… Riu-se:
- Ias aí todo fresco mas agora bem que vais ter de parar, até te caem as peças!…
Mas antes que pudesse soltar uma gargalhada a sua latinha começou aos solavancos.
- Era só o que me faltava! Será falta de gasolina?
A vontade de rir já lhe tinha passado por completo. Olhou o tablier procurando algum sinal que pudesse indiciar o que se passava. No entanto, por ali, nada funcionava… Por fim o carro lá parou a poucos centímetros de mergulhar nos nenúfares. Saiu a medo, não fosse a lata dar um solavanco final e mergulhar de radiador em riste nas águas. A porta do condutor era a única que se abria com alguma dignidade, “ainda bem”, pensou.
Só cá fora reparou que a sua latinha apresentava um grande desnível…
- Mas, falta-me uma roda! Ah, magana… então eras tu!
Atravessou a estrada a correr e fez sinal ao primeiro carro que passou. Em Quelimane era usual socorrer quem precisasse. Desconhecia-se os assaltos, o carjacking, vivia-se na paz dos anjos.
- Oh homem o que lhe aconteceu? Algum furo? - perguntou o solicito motorista.
- Não, não… faltam-lhe peças… por exemplo esta roda onde estou sentado!

De namoro pegado com uma das raparigas mais pretendidas da cidade, esganava-se todo para ter a latinha bem reluzente e fazer boa figura quando fosse buscar a sua amada para passear. Por cima da ferrugem passou um líquido brilhante para lhe dar um ar sui generis. Por dentro imperava a limpeza e um ligeiro aroma de lavanda.
- Hoje levamos a tua mãe (a futura sogra…) e vamos até à praia… - a futura ficou deliciada com tanta simpatia do seu querido. Mas mesmo assim parecia bem fazer-se difícil.
- Está tão abafado, não achas que irá chover? - perguntou-lhe ela reticente.
- Não, acho que não! E se chover até refresca o ar…
- Vou arranjar um lanchezito para levar. Na praia sabe sempre bem…
Já a caminho, na estrada, por entre o palmar, a querida disse-lhe:
- Vem borrasca por aí… olha as nuvens tão negras…
- Se chover são só uns salpicos… - nada podia embaciar o seu entusiasmo.
E já a latinha era atingida pelas primeiras gotinhas que caíam…
- Isto passa já…
As futuras diziam-lhe:
- Não será melhor voltarmos para trás?
- Qual quê! Depois de Coalane já isto passou!
Como estava enganado. Num repente, o céu desabou e a chuva correu torrencialmente. Não se via um palmo de estrada.
As futuras, em coro, disseram:
- Não seria melhor ligares o limpa-pára-brisas?
- Não é preciso, isto passa já… - disse praguejando com os seus botões.
Agarrado ao volante, com o rosto colado ao vidro e de olhos arregalados, tentava vislumbrar a linha estreita da estrada…
Caramba, nunca lhe parecera tão estreita!
Eventualmente, deu a mão à palmatória e, como que aceitando que nada conseguia ver, lá decidiu parar o carro.
- Um momento. - disse enquanto procurava algo no guarda-luvas.
Saiu com um grande pano para limpar os vidros… Trabalho inglório, claro. A chuva caía mais forte ainda. Às tantas, estavam ele e o pano encharcados que nem pintos…
As futuras gritaram:
- Entra, ainda vais ficar doente!
Não teve outro remédio. Quando se sentou ao volante, a água já circulava pelo chão da latinha. As futuras encolheram-se. A querida disse-lhe:
- Liga o limpa vidros!
Ele respirou fundo antes de responder:
- Está avariado - disse numa voz sumida, mais adivinhada do que audível.
Claro que o lanche foi comido em casa com o querido embrulhado num grande cobertor, espirrando de minuto a minuto… As futuras repetiam em uníssono:
-Santinho! Santinho!


Uma semana depois, num domingo quente e cheio de sol, havia grande alarido em frente à casa das futuras. O cãozito ladrava, os empregados batiam palmas e a buzina de um carro não parava.
- Vamos à varanda ver o que se passa. - concordaram as duas.
Do outro lado da rua um Datsun vermelhinho brilhava que nem uma cereja madura. Junto a ele, ufano, estava o futuro marido e genro acenando entusiasticamente e dizendo feliz:
- Vamos dar um passeio no meu carro novo? Pode chover a potes, fazer frio ou calor, esta máquina está preparada para tudo!
E estava mesmo… até para a felicidade!


sábado, 3 de abril de 2010

Hoje Faço Anos!!!



Não podemos confundir o ponto de partida com a meta; não devemos recusar a distância entre a base e o cume… Com o passar dos anos amo mais o poente e aprecio melhor as coisas boas da vida… Hoje, sábado de Aleluia, dou graças ao Senhor, Àquele Senhor de mãos largas e generosas, que regula o meu tempo e preside à vida das gerações por este ano de vida e por me colocar de novo na linha de partida… uma linha em branco na Agenda, um espaço disponível no coração… Agradeço-Lhe o amor maravilhoso do meu filho, o carinho dos amigos e aquelas pequenas flores que Ele espalha no meu caminho como Pai cuidadoso e amigo.
Agradeço-Lhe as asas que me dá para voar quando a tempestade se abate sobre mim. A possibilidade de rir e ser feliz, mesmo em solidão.
Hoje, no dia do meu aniversário é também tempo de partilha com os amigos… aqui em casa, neste espaço virtual, no telefone e no telemóvel que não param, na campainha da porta que vai começar a soar mal rompa o dia… e na certeza que chegou de novo mais um desafio.
A mesa está posta para os amigos que chegarem. Com todo o carinho e amor…há lugar para todos!
Quem faz anos também gosta de oferecer… e lá está o pequeno selo para ser levado para os vossos blogues, testemunho da vossa presença na festa e, sobretudo, da vossa presença na minha Amizade. Com todo o meu coração.
Graça


Parabéns Mãe

O portento de uma memória sem fim
no retorno da saudade luminosa,
perdida entre o conto e a magia,
entre o hoje, o amanhã e o para sempre.
Simplesmente, a realidade de uma,
uma simples palavra, desejo, vontade, amor,
entre anjos, glória e dor.
Olhos perdidos no firmamento,
buscando estrelas do passado,
cometas do presente,
razões para encolher o sofrimento que
sempre e a cada momento,
fugaz, distante,
parece crescer no pensamento, teu.
Mas são as estrelas cadentes que buscas a cada dia,
escondida na miséria enobrecida
de um sonho em que os olhos se fecham
e a mente se abre para a verdadeira razão de ser.
Cantiga e amor trauteias;
vives e fascinas;
e, acordando, suavemente,
traz teu corpo e alma para a luz,
para a verdade.
Entretanha-te a noção rara e real de que o mundo te foge...
deixa-o fugir!
Aqueles que te magoam não te interessam;
os que interessam,
mantém-nos perdidamente enamorados por tudo aquilo que és
e não pela ilusão de uma miragem que,
constantemente,
se distancia e causa dor, fere a sorte, fere a paz.
Deita-te, dorme,
e levada pelas asas do sono percorre a magia
que se esconde daqueles que, acordados, nada sabem,
perdidos na ignorância em que cabem…
E vê nesse sonho verdadeiro que és mulher sendo somente,
és amiga eternamente,
és paz de forma diferente,
és inimiga ausente,
és pátria, és família e religião também,
és magia negra luminosa… és mãe!

- Nuno Machado