quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ano Novo

E um novo tempo prepara-se para marcar o seu compasso! Quem consegue fugir ao tempo? Nem os anos. Dentro de poucos dias fechamos as portas de 2011, talvez empurrado pela pujança de um novo que chega ao bater das doze badaladas do dia 31!
Carregamos aos ombros, como um feixe de espigas, mais um ano e abrimos os braços para um novo que avança… Que nos trará? Para Portugal e Europa advinha-se um tempo conturbado… Será assim?
Durante este ano os nossos passos andaram por caminhos diversos. As alegrias pareceram-nos sempre muito breves e lentas foram as lágrimas da dor e solidão.
Ultrapassamos medos, combatemos infinitas lutas, desfizeram-se alguns sonhos, tropeçamos mais vezes do que desejaríamos mas…vivemos! A dor abriu-nos caminhos em brasa no coração mas, ao olharmos agora para trás, descobrimos que os tempos que passamos a lutar pelas nossas pequenas felicidades foram os melhores dias vividos em 2011!
Há quem faça por esta altura uma lista de projectos, propósitos e sonhos! Actualmente não é meu costume fazê-lo talvez porque a experiência já me tenha ensinado que a vida baralha tudo parte e dá de acordo com um conceito que nunca entenderemos muito bem! Às vezes é parca para uns e esbanjadora para outros! E não adianta protestar!
Contudo, há coisas a riscar do nosso dia-a-dia que, foram lições que aprendi:
- A solidão não tem flor, nem fruto. É estéril! Portanto, risquemo-la… Venham os amigos mas bons!
-A nossa força faz frente a todos que nos queiram derrubar. Então, é preciso revestirmo-nos de coragem!
-O nosso sorriso desarma qualquer inimigo. Enfeitemo-nos de girassóis…
-A partilha é o melhor depósito que fazemos no cofre da Vida! Partilhemos então…


Ano Novo, vida Nova… diz o povo! Com propósitos ou sem eles, ousamos esperar com muita fé e lucidez o futuro que 2012 nos trará, pleno de caminhos, como a espiga farta de grãos!
Juntos acenderemos sempre e muita vez, a candeia da esperança!
Nas mãos do CRIADOR colocamos estes 366 dias, diluindo nas nossas preocupações todo o seu Amor que fecunda as horas que hão-de vir.
A todos os Amigos que passaram e passam pelo Zambeziana, alguns sem rosto, mas que geraram em mim momentos de fraternidade e carinho, deixo o meu Obrigada e a promessa de rezar por todos, em particular por alguns com problemas que conheço, na certeza que estaremos juntos num imenso abraço no dealbar de um tempo Novo que todos queremos que seja na verdade, mesmo NOVO, em Amor, Paz e Justiça!

FELIZ 2012!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Prenda de Natal


A Acácia do quintal tinha começado já a florir e como estavam lindos os seus ramos!
Os mais pequenos batiam palmas de contentes ao descobrir cada dia, na velha acácia, mais uns botõezinhos vermelhos!


- Mamã quando ela estiver toda florida será Natal e falta tão pouco tempo… que bom! O Menino Deus vai nascer outra vez para nós.
Beatriz escutava distraída as vozes dos seus filhos, preocupada em procurar, na sua pobreza material, um tesouro escondido com o qual pudesse realizar os sonhos infantis… mas não encontrava nada… tão pouca coisa havia em casa! Mas era preciso inventar, criar qualquer coisa que os satisfizesse, que os fizesse sentir como os outros meninos, os meninos ricos como o Joãozinho do prédio bonito da esquina.
-Mamã, o que nos darás neste Natal? É verdade que o Menino Jesus ainda não to disse?
Decididamente não deixavam pensar Beatriz mas ela ria-se com a alegria dos seus cinco filhos.
-Não meus queridos nada vos posso dizer… é surpresa porque, de outra forma, deixaria de ser prenda de Natal. Pronto, não falamos mais nisso e vamos arrumar a cozinha que o pai está a chegar. E todos deitam mãos à obra. Beatriz adorava quando o marido chegava a casa e era atacado pelo bando dos filhos e estendendo os braços para a mulher dizia: Cheguei ao paraíso!
Beatriz era feliz apesar das paredes nuas da sua casa, do mobiliário pobre, das dificuldades monetárias; era rica de calor humano, de compreensão e de amor.
A acácia acabou por florir toda e o Natal bateu-lhes à porta. Os pequenos cochichavam com risadas felizes. Beatriz pensava que as prendas não seriam o que desejava… havia o impossível financeiro. Rebuscou numa velha mala onde guardava coisas da sua juventude à procura do que pudesse transformar, com a sua habilidade, em prendas bonitas.


Encontrou um tecido colorido e moderno. Dali faria um boné muito simpático destes que os miúdos gostam de levar para a escola. Seria para o João Paulo que gosta sempre de parecer bem. De um seu vestido já antigo faria dois bem juvenis para as duas mais novas. Para o Luis Manuel encontrou a capa de um livro em cabedal, já usada, mas com o seu jeito para o desenho, criaria uma capa que ele iria adorar. Trabalhada ficaria como nova.
Para o mais velho é que não encontrava nada que a pudesse encantar. De repente caiu-lhe nas mãos um livro de poemas do seu tempo de estudante e não pensou mais. Seria a melhor prenda que poderia dar ao filho mais sensível que sentia já uma irresistível atracção pela poesia.
Beatriz dispôs-se então a resolver outro problema: o da ementa. Andou à procura de todas receitas mais económicas que lhe permitisse consolar a sua gente com pouca coisa. Serviu-se da sua criatividade e imaginação e de todo o amor para realizar uma ceia de Natal condigna daquilo que a sua família dela esperava.
-Mamã, fazemos também o presépio?
-Com certeza meus filhos.
E à noite, depois do jantar reuniram-se no “cantinho da mãe” como todos chamavam ao local onde Beatriz se sentava para cozer e até mesmo, quando as lides da casa o permitiam, para pensar e sonhar.
Com bocaditos de trapos e de cartão fizeram as figuras que o pai com paciência ia colando João Paulo pintava expressões faciais e que bem que elas ficavam!


Ao desenhar o rosto da Virgem, uma ruga vincou-lhe a testa e a mãe sentiu esta preocupação:
-Que há meu filho?
-Mamã, como hei-de pintar o rosto de Maria? Não o posso pôr a sorrir pois com tantas necessidades que havia na gruta como podia ela sorrir? Eu bem vejo a tua tristeza quando te pedimos pão e tu não tens para nos dar. É a mesma coisa, não é mamã?
-Sim, é a mesma coisa mas, sabes, penso que podes pôr a Virgem a sorrir porque no presépio havia o calor do grande amor entre os três.
Os dias correram e o calendário mostrou a folhinha de 24 de Dezembro, de uma manhã linda e quente com o céu muito azul e um ar perfumado. Em casa, os risos das crianças e a sua alegria faziam daquela manhã a mais sedutora de todas. Mas nem todos riam. Pedro, o filho mais velho, apresentava um rosto fechado e triste. Beatriz entendeu aquele olhar inquieto.
-Queres vir com a mãe ao quintal apanhar uns raminhos de salsa? Pronto! Era o que ele queria ouvir. Seguiu a mãe com as mãos nos bolsos, como um homem grande, com problemas profundos.
-Mamã, já tens a minha prenda de Natal? É que eu queria pedir-te uma coisa…
-Diz, meu filho, se for possível…
-Olha, não sei se conheces o Carlitos, ele é meu colega da escola. Vive só com a mãe porque o pai abandonou-os.
Beatriz entristece-se pelo drama em si e por não poder evitar ao filho os choques que a vida lhe daria.
-Eles não têm nada em casa. São muito mais pobres do que nós e falta-lhes o calor do amor que tu falavas ao João Paulo. Eles vão ter muito frio este Natal, mamã. E sabes… tive uma ideia que não sei se tu e o pai aprovarão.
-Fala meu filho, se for boa com certeza que não diremos que não.
-Eu posso convidar o Carlitos e a mãe a passarem o Natal connosco? Era esta a prenda que eu queria que me dessem.
Beatriz comovida abraçou o filho que tinha entendido bem a mensagem de amor que um Natal sempre traz.
-Sim, podes convidá-los. Ficaremos todos contentes por tê-los connosco nessa noite santa. Vai pois, a correr, dizer-lhes.
Cantando, com um sorriso a bailar-lhe nos lábios e no coração, Pedro saiu a correr de junto da mãe. Beatriz à entrada de casa acompanha-o com o olhar até o ver desaparecer na curva do caminho.
Erguendo os olhos ao céu, Beatriz agradece a Deus aquele Natal pleno de amor e de alegria que toda a sua família iria viver!



terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Desiderata

No meio do barulho e da agitação, caminha tranquilo, pensando na paz que podes encontrar no silêncio. Procura viver em harmonia com as pessoas que estão em teu redor, sem abrir mão da tua dignidade.
Fala a tua verdade, clara e mansamente. Escuta a verdade dos outros, pois eles também têm a sua própria história. Evita as pessoas agitadas e agressivas: elas afligem o nosso espírito.
Não te compares aos demais, olhando as pessoas como superiores ou inferiores a ti.
Vive intensamente os teus ideais e aquilo que já conseguiste realizar.
Mantém o interesse no teu trabalho, por mais humilde que ele seja: ele é um verdadeiro tesouro na contínua mudança dos tempos.
Sê prudente em tudo o que fizeres, porque o mundo está cheio de armadilhas. Mas não fiques cego pelo bem que sempre existirá. Há muita gente lutando por nobres causas. Em toda a parte a vida está cheia de heroísmo.


Sê tu mesmo. Sobretudo não simules afeição e não transformes o amor numa brincadeira, pois no meio de tanta aridez, ele é perene como a relva.
Aceita com carinho o conselho dos mais velhos e sê compreensivo com os impulsos inovadores da juventude.
Cultiva a força do espírito e estarás preparado para enfrentar as surpresas da sorte adversa.
Não te desesperes com perigos imaginários: muitos terrores têm origem no cansaço e solidão. Ao lado de uma sadia disciplina, conserva para contigo mesmo, uma imensa bondade.
Tu és filho do Universo, irmão das estrelas e das árvores e mereces estar aqui!
E, mesmo sem perceberes, a Terra e o Universo vão cumprindo o seu destino.
Procura, pois estar em paz com Deus. Seja qual for o nome que lhe deres.
No meio do teu trabalho e aspirações, na fatigante jornada da vida, conserva no mais profundo do teu ser, a harmonia e a paz.
Acima de toda a mesquinhez, falsidade e desengano, o mundo ainda é bonito.
Caminha com cuidado e faz tudo para seres feliz e partilha com os outros, a tua FELICIDADE!

(A lenda conta que este texto foi encontrado em Baltimore, na antiga Igreja de Saint-Paul, em 1962. Na realidade foi escrito pelo poeta americano Max Ehrmann falecido em 1945)

domingo, 27 de novembro de 2011

Em Tempo de Natal


A Lenda do Pirilampo

Dizem os sábios que a luminosidade do pirilampo está ligada a duas substâncias: a luciferina e a luciferasa. Estas duas substâncias, cada uma por si, não são luminosas, mas reagindo uma contra a outra produzem luz (a luciferasa provocando a oxidação da luciferina).
Antes da formação do oxigénio, há mais de três milhares de anos – continuam a dizer os sábios – o pirilampo era apenas um insecto negro, sem nenhum brilho. Mas quando o elemento gasoso apareceu, tornou-se uma “estrela” a saltitar na terra.
A lenda do Pirilampo é menos científica, mas mais poética.
Na noite de Natal, encontrava-se no presépio de Belém um pobre bichinho que, ao ver Nossa Senhora e São José em tamanha pobreza e desconforto, se comoveu. Não podendo fazer mais nada por eles, veio cá fora buscar um raio de luar que levou às costas, indo, pequenino e humilde, colocar-se aos pés da Virgem Maria. E quando o Menino Jesus nasceu, o pobre bichinho todo se regozijou por poder iluminar Aquele que acendeu as estrelas no céu e que, ao vir ao mundo, nem sequer teve a candeia dos pobres a clarear as trevas daquela noite cerrada.


O Menino vendo ali aquela luzinha a brilhar, sorriu para o bichinho e perguntou-lhe o que queria como recompensa da sua bondade e do seu amor.
-Queres que te dê as cores brilhantes do escaravelho?
E o pobre bichinho negro de nascença, respondeu-lhe:
-Não, meu Senhor!
-Queres que te dê, como às abelhas o poder de fabricar o mel dourado e doce?
E o pobre bichinho também não ambicionou os beijos das flores, nem aceitou habitar o palácio duma colmeia.
-Mas então, o que é que tu desejas, pede-me o que quiseres.
E o pobre bichinho disse o seu desejo, o seu sonho, o seu grande ideal:
-Senhor, só uma coisa desejo e te peço: deixa-me conservar sobre mim este raio de luz para que eu possa iluminar os viajantes nas trevas da noite e alegrar os que caminham sozinhos…
O Menino olhando-o com ternura disse-lhe:
-Pois seja como desejas!
E desde esse momento, o negro bichinho, até aí sem beleza nem brilho, passou a chamar-se PIRILAMPO e ficou sendo como uma estrela a saltitar pelos caminhos escuros e tristes da terra.
E a noite é menos escura quando luzem nas trevas aqueles pontinhos brilhantes, a solidão é menos triste quando os homens pousam os olhos cansados nestas estrelinhas dos caminhos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma Cidade Perfeita


Era uma vez, num futuro longínquo, uma cidade quase perfeita. Não existiam malfeitores ou preguiçosos, não havia poluição, trânsito ou degradação. À primeira vista tudo era perfeito.
Na cidade quase perfeita, em frente de cada casa estava uma bandeira. As bandeiras podiam ser vermelhas, amarelas, brancas ou negras. E, apesar de não ser obrigatório, fazia parte do senso comum cada habitação ter a sua bandeira. E porquê? A bandeira indicava a cor da pele da família que aí vivia. E por existirem bandeiras com quatro cores possíveis é que a cidade era quase perfeita. Assim pensavam os seus habitantes. Mas seria?
As pessoas de pele branca só gostavam de bandeiras brancas e orgulhavam-se da bandeira que tinham em frente da sua casa. Da mesma forma pensavam as pessoas de outras cores.
As crianças de cores diferentes não brincava m juntas, os adultos de cores diferentes diziam “Olá” e “Bom dia”, mas a conversa já não chegava ao “Como está?”. Isto é, na cidade quase perfeita, a cor da bandeira servia para identificar quem eram os possíveis amigos.
Mas acontecia que, todos os meses, na cidade quase perfeita havia uma reunião com todos os habitantes da cidade. Era liderada pelo Presidente da Câmara e realizava-se num edifício do tamanho de dois estádios de futebol. O edifício chamava-se o “Individual”. Era assim que se procurava manter a quase perfeição da cidade. O Individual, que tinha apenas uma grande porta, simbolizava o poder e a singularidade da cidade.
Num certo dia de inverno, caía um forte nevão na cidade quase perfeita, mas nem por isso se adiou a grande reunião. Encontrava-se a cidade em peso no INDIVIDUAL, quando se ouviu um enorme estrondo, algo de sobrenatural. Um milésimo de segundo depois, todo o Individual ficou às escuras, gerou-se o pânico entre as 33.000 pessoas que começaram numa correria desenfreada para a grande entrada, só que a porta não abria.


Sem ver o seu auditório, o Presidente, com sangue frio, apercebeu-se do perigo da situação: numa cidade quase perfeita alguém tinha assistido a uma falha de electricidade; as pessoas atropelavam-se e poderia mesmo haver mortes por esmagamento. Rapidamente dá a mão à pessoa que estava a seu lado que, por sua vez, percebeu a mensagem: formou-se um grande cordão humano dentro do Individual. “Calma, calma”, ouviu-se. Sem olhar à cor da mão em que se segurava, apenas agarrando-a, sabendo que essa mão poderia salvar a sua vida, todos se acalmaram e a extremidade do cordão ao pé da porta conseguiu arrombá-la.
Lentamente, a multidão saiu do Individual para a neve gélida. Uma a uma, as pessoas apercebem-se de que a mão que seguravam não era da sua cor. No entanto, agarraram-na com igual força.
Dentro do Individual, às escuras, o cordão humano tinha permitido que as pessoas, uma vez cá fora, se apercebessem de que a sua cidade só era quase perfeita.
Até àquele dia, ninguém se tinha apercebido de que uma mão negra, branca, amarela ou vermelha tem a mesma força para agarrar, seja às escuras, seja às claras.

- Joana Rute (15 anos)

domingo, 6 de novembro de 2011

Esperança


Perguntaram-me um dia o que era a esperança. Respondi como sempre ouvira toda a vida – é a última coisa a morrer! Hoje, penso que a esperança é o motor de arranque do meu dia-a-dia, a razão pela qual coloco a minha mochila às costas, ainda cheia de sonhos, e parto à descoberta da felicidade. Da Felicidade? Depois dos cinquenta? Mas onde está escrito que há normas, idades e leis para se ser feliz?!? A felicidade é daqueles que sabem sonhar e descobrir um céu azul, apesar da sombra cinzenta de uma cruz. A felicidade é daqueles que já perderam tudo mas sabem encher as mãos de pétalas de sol e de luar.
A felicidade é daqueles que fizeram dos seus casulos de dor, o lugar onde acolhem aqueles que já não acreditam.
Realmente a esperança casou com a felicidade, teceram um manto transparente mas forte como uma teia que resiste a todas as intempéries.
Podem os maus ventos sacudi-lo, o sol crestar as pontas e a chuva torná-lo pesado e sem força que, ainda assim, permanecerá inviolável, unido na sua textura.


Os velhos do Restelo não se hão de calar, “já nada há a esperar, a vida vai levando tudo...”.
E a esperança? E os sonhos? E a felicidade que se viveu? – “passou, tudo passou...” – dizem eles. Mentira! Quem pode apagar a luz que se guarda na alma? Quem pode calar um coração que conheceu a sintonia do amor? Quem pode aprisionar os sonhos que andam por aí, soltos e esvoaçantes? Ah! Como a esperança é minha aliada! E quando eles gritam como aves agoirentas: já não há nada a fazer, eu sussurro baixinho – Há sim! Basta só esperar...


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Todos os Santos…

(Os que já partiram e os que vão a caminho…)

Em memória de todos os nossos familiares e amigos que fizeram o voo maior e que nestes dias lembramos com mais saudades, colocamos flores orvalhadas com lágrimas nas suas sepulturas e acendemos-lhes velas da fé e da esperança….


Quando Veio a Morte

Quando veio a morte,
Quase a não reconheci.
Não trazia caveira
Nem tíbias,
Nem foice,
Nem ampulheta,
Nem mortalha,
Nem catafalco.
Não vinha
Vestida de luto,
Nem envolta
Em véus de viúva
Nem trazia
Luvas pretas.
Não vinha pálida,
Nem apresentava a rigidez
Esquelética
Das más noites.
Não cochichava
As suas duas ou três palavras,
Arrancadas aos soluços,
Com palavras acanhadas
Que nada dizem.
Não trazia água benta,
Nem o aperto de mão,
Nem a chávena de café,
Nem o pêndulo parado,
Nem os postigos fechados,
Nem flores,
Nem coroas.
Veio sem convite
E sem dobrar a finados…


Vinha vestida de Primavera,
De músicas e de cantigas.
Tinha tirado a máscara e ria
Como um recém- nascido.
Falava como a Palavra
Com um acento feliz.
A sua cabeça de ressuscitado
Assemelhava-se à do jardineiro.
Seus passos deslizavam
Como uma dança de namorados,
E vinha

De rosa na mão.


- Jean Debruynne, in "Mourir"

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Viajante das Estrelas

De repente a angústia caiu sobre mim. Não, não podia ser tinha que a sacudir. Retomei nas minhas mãos a minha alma decidida a gozar a cálida noite de Verão. O perfume das flores continuava a subir do jardim multicolor e a claridade branca das estrelas brilhava sobre o veludo do céu. Parecia e era uma imensa abóbada pontilhada de lantejoulas prateadas. Na cidade era impensável deslumbrar-me com este espectáculo. Estava feliz apesar da angústia que há pouco pairara sobre a minha primeira noite de férias.
Sentei-me no meu banco amarelo muito perto dos grilos que interpretavam a sinfonia nocturna que me faz lembrar a minha terra distante.
Os maracujás por de trás de mim começavam a pintar-se de lilás anunciando que dentro em pouco estariam maduros. Como a sua flor é linda como um poema de amor! Encostei a cabeça naquela almofada verde e olhei de novo o céu deslumbrada. Têm asas os meus sonhos...
Inesperadamente uma luz envolveu-me toda ofuscando o meu olhar. Mas o que seria aquilo? Existiriam realmente OVNIS? Senti umas pancadinhas discretas como se alguém abrisse ou fechasse uma janela, enquanto ouvia uma voz perguntar-me suavemente:
- Queres vir comigo?...
Não, devo estar a sonhar – pensei meio entorpecida.
- Quem és tu? – perguntei pensando que tudo não passava de uma ilusão.
- Sou um estrela deste céu que tanto gostas e convido-te a vires comigo espreitar lá do alto esta Terra que já foi mais verde.
- Mas como é que eu posso ir contigo? - perguntei incrédula.
- É fácil. Basta quereres de todo o coração fazer esta viagem comigo e pensares com a tua alma.
- Pensar com a alma? Que coisa mais disparatada...
- Vá fecha os olhos e pensa que iniciaste a tua viagem...
Que era feito do meu banco amarelo? E os grilos? Via apenas o reflexo rosa dos rododendros na água fresca de um ribeirito e a toutinegra cantando perdidamente. Os belos poemas que eu mais amava passavam como asas de cisne por sobre a superfície das águas que cada vez ficavam mais distantes.
Mais alto, mais alto... e voz da estrelinha ecoava pelo céu.
- Mas onde me levas? – tornei a perguntar embriagada por aquela deliciosa sensação.
- Onde quiser o teu coração. Recordas-te? Basta querer...
- Sim e pensar com a alma... repetia baixinho como um desejo.
...Como eram bonitas aquelas ruas e familiares... já teria estado por ali?
- O que é aquela casa tão grande, branca e com torres?
- É uma igreja. Uma jóia do Século XVIII, de linhas puras sóbria e espiritual também...
- Mas há muita gente a entrar nela... É um casamento não é?
- Sim é um casamento.
Eis que descortino entre a multidão uma silhueta que me é querida vestida de facto azul escuro, um cabelo feito de oiro pálido. Vem acompanhado de muita gente. Tem uma covinha no queixo e olhar ansioso. Esperaria alguém? Oiço gritar – Chegou a noiva, chegou a noiva...
Nenhum pintor conseguiria pintar aquela revelação envolta com que numa nuvem branca e jamais algum poeta poderia exprimir a emoção interior daquela jovem mulher.
- Vão ser felizes? Perguntei curiosa.
- Sim, amam-se muito mas irão sofrer. Na vida é preciso escolher e eles decidiram um caminho a dois.
- Deixa-me ficar mais tempo para ouvir o que dizem um ao outro – pedi devagarinho.
- Não podemos e tu já sabes como tudo terminará.
- Sei mesmo?
A estrelinha não respondeu – vamos, vamos depressa o Sol está a nascer e eu terei de regressar a casa.
- As estrelas têm casa?
- Têm, moram na lonjura do firmamento.
Não entendi muito bem mas segui-a no seu rasto luminoso.
Havia rosas, muitas rosas brancas que me eram oferecidas por umas mãos fortes e masculinas. O que me disse? Já esqueci tudo. Nos seus olhos castanhos dourados como tardes de Verão li tanto amor que as minhas mãos tremiam nas suas, que ele beijava murmurando palavras doces de amor. A hora da felicidade.
Ao longe há um campo de lilases em flor e a aurora que chega clareando tudo. Mas os lilases têm nos olhos gotas de orvalho. Os lilases choram?
Oh, o meu vestido branco com reflexos de pérola... sou uma noiva não é? E as fitas azuis? É um festival de luz para os nossos corações felizes. Dia radioso! As mimosas e rosas rescendem...
Por falar em rosas, onde está o meu ramo? Não o vejo. Não tenho nada nas mãos... rodo os dedos e encontro duas alianças. Duas alianças? Porquê duas? Sinto lágrimas nos olhos...
De novo o perfume das flores, o odor da terra. Oiço os grilos...
- Estavas a dormir, mãe?
- Não te rias, desci agora de uma estrela e andei por aí.
Ficamos calados. Há silêncios que nos completam e nos alimentam. Os crucificados salvam o mundo...
- Há paz nos teus olhos, minha querida senhora – e dando-me um beijo sorriu fazendo na face uma doce covinha que eu aprendi a adorar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Preço do Amor



Beatriz era uma jovem mulher, bela e muito elegante! Pecava por um grande senão, era doentiamente ciumenta! Mas diga-se em abono da verdade que estes ciúmes eram alimentados pelo “Adónis” do seu marido que não lhe escondia os seus gostos de conquistador encartado! Se não fora isto, o que era já muito, viveriam na paz dos anjos. Quando os ventos sopravam cinzentos, estalava a guerra… e esta surgia por um rasto de um perfume suspeito ou por uma mancha de batom indiscretamente posta no lenço branco de Jorge.


Beatriz zangava-se, chorava e retirava-se para casa dos pais. Metia-se na sua cama de solteira onde passava dias a fio. Entretanto o marido delirava com estas doces férias e passeava a sua sedução pelas mulheres que o assediavam. Mas, volvidos dias, suspirava de arrependimento e um peso na sua consciência retirava-lhe todo o encanto da liberdade da vida de paródia de rapaz. O que ele gostava mesmo era de atraiçoar Beatriz, quase no seu nariz, o que lhe dava aquele gostinho de patifaria (há homens assim).
Recomeçou a namorar a mulher usando toda a sua arte de um grande D. Juan. Beatriz comoveu-se com tanta ternura e mimos. Os pais e os amigos aconselharam-na:
- Ninguém muda assim de um dia para o outro…
- Ele está arrependido e mudado… - afirmava Beatriz.
Regressou ao lar, como todos já esperavam, e tiveram o seu quarto minguante de lua-de-mel!
Depois, a vida retomou o ritmo habitual até à primeira cena de gritos e lágrimas quando Jorge ficara mais tempo no escritório. Loiças partidas, mala feita e Beatriz refugiou-se de novo na casa dos pais.
Certo dia Beatriz ficou adoentada, mal comia e teve até um desmaio. Jorge ficou em pânico e foi buscar a mulher para casa. Aflito, mandou chamar um médico. Disseram-lhe que havia um que morava no andar de cima… Quando o médico chegou, um jovem bem apessoado formado há pouco tempo, examinou Beatriz e declarou que ela estava à beira de uma anemia, precisava portanto, além dos medicamentos, injecções fortificantes e uma vida sossegada.
Jorge perguntou ao clínico se lhe arranjava uma enfermeira para vir dar as injecções à mulher.
Delicadamente, ele ofereceu-se para esse serviço.
- Não me custa nada… De manhã, antes de ir para o Hospital, passo por aqui… - E o assunto ficou arrumado.
Nos primeiros dias o médico mal se sentava, era apenas o tempo de dar a injecção!


Depois, já conversava e demorava-se mais um pouco. Daí, passou aos galanteios e não tinha hora de ir para o hospital… Tempos depois, Beatriz deu conta que o médico gostava dela e isso alimentou o seu ego e a sua auto-estima não podia estar mais em alta!
Porém, infelizmente, há horas do diabo e, nessa noite, Beatriz descobriu uma mancha de batom no colarinho da camisa do marido.
Voltaram os tempos de guerra:
- És um devasso e um mentiroso. Não tens emenda!
Jorge desculpava-se como podia, defendeu-se mal, ajoelhou-se aos pés de Beatriz com deficiências de encenação. Beatriz não resistiu e cheia de vaidade declarou ao marido que tinha quem gostasse dela, o médico estava perdidamente apaixonado e ela pensava em lhe corresponder!
Ardeu o mundo! Jorge atiçado como um leão, enfureceu-se, bateu com os punhos na mesa e gritou de tal modo que toda a vizinhança veio às janelas.
Aquela cena de ciúmes acalmou Beatriz e a fúria zelosa do marido lisonjeou-a…
A questão acabou por ali e deu lugar a nova lua-de-mel. Jorge mandou pedir a conta ao jovem médico e dispensou os seus serviços. Claro que o clínico entendeu mas não aceitou: estava perdido de amores por Beatriz! Escreveu-lhe então uma grande e louca carta de amor que pôs Beatriz nas nuvens e nos picos da vaidade.
Quando o marido chegou do trabalho e para o arreliar, entregou-lhe a carta num gesto de esposa submissa e honesta que cumpre o seu dever! Bem, o barulho foi tão grande e espalhafatoso que Beatriz teve receio que ele fosse bater à porta do médico para uma briga de honra. Acalmou o marido conforme lhe foi possível, evitando que surgisse um pugilato entre os dois. O médico, não recebendo resposta às suas cartas acabou por desistir e não insistiu mais.
Beatriz ficou um pouco sentida com aquele súbito desinteresse…
Jorge perguntava todos os dias à mulher:
- Então o médico não te escreveu mais?
- Claro que não! Ficou bem esclarecido…
Mas Jorge duvidava e quase todos os dias vinha à carga a recepção das cartas. Beatriz jurava que não tinha recebido mais nenhuma mas Jorge teimava e dizia-lhe que sim e que queria ver a carta… Beatriz chorava e pensava que o marido endoidecera…
Jorge vivia num inferno de angústia e ciúme e a exigência da carta que temia Beatriz tivesse recebido obcecava-o…
A vida tornou-se um inferno naquela casa, onde só se ouviam gritos e pedidos:
- Tu que não me mostras a carta é porque estás feita com ele…
- Não recebi nenhuma carta!
- Recebeste sim!
- É falso!
- Não me digas isso que até te mato… e crispava os punhos roído de ciúmes.
Beatriz sentia-se desforrada: agora quem sentia ciúmes era ele!
Mas Jorge não desistiu dos seus inquéritos:
- Recebeste sim uma carta e estás a mentir! Fui eu quem a escreveu para te experimentar e se tu não ma mostraste é porque estás interessada nele…
Beatriz estava incrédula: tanto barulho por uma carta escrita pelo próprio marido e que afinal não recebera mesmo…
- Recebeste sim e julgaste que era do outro!
Enfim a carta tinha a direcção deficiente e Jorge, tempos depois foi encontrá-la num cacifo dos correios.
Beatriz indignada voltou para casa dos pais e pediu o divórcio. Os pais arranjaram-lhe de imediato um advogado. O processo já estava no tribunal e Jorge desesperava e não queria ouvir falar em divórcio. Não podia viver sem Beatriz… a sua ausência aumentara-lhe o seu amor.
Escrevia-lhe longas cartas, enviava-lhe flores todos os dias e caixas de bombons… Beatriz entrincheirada na casa dos pais não se rendia! Jorge vendo que perdia a partida, começou a exceder-se nas suas gentilezas: uma pulseira em oiro que Beatriz sempre desejara ter, um casaco de peles muito cobiçado e uma pregadeira de brilhantes…
Ela aceitava de bom grado todos os presentes mas continuava firme na sua…
Ao telefone ele desfazia-se em ternuras e promessas:
- Farei tudo o que quiseres, dar-te-ei tudo o que pedires…
- És um aldrabão! Nunca mais volto para ti e fica sabendo que hei-de casar com outro…
Jorge sentia-se morrer:


- Querida, perdoa-me… Olha vou comprar um andar novo, daqueles que tu gostas, voltado para o rio…
A voz dela tremeu:
- Um andar com seis assoalhadas naquele prédio que eu gostei?
- Sim, querida!
Beatriz ficou sem respiração, o corpo com asas…
- Daquele que, das varandas, se vê a foz…?
- Sim, esse mesmo amor. Vamos ver as casas?
Ela pairava nas nuvens, talvez no 8º andar do prédio, quase a chegar ao céu…
- Vem-me buscar depois do almoço, meu querido!

sábado, 1 de outubro de 2011

Crepúsculo



Gostava de poder dizer-te,
meu amor perdido,
Esta sensação do mundo já vivido que existe em mim.

Gostava de poder correr,
Mão na mão, olhos nos olhos, pelos areais desertos
E reencontrar o mundo que falta viver.

Gostava de vencer o crepúsculo,
Com um sorriso alegre no corpo jovem.

Mas tenho receio que te juntes a mim nesta noite
Onde a estrela da manhã não aparece.

Espera-me para lá da madrugada.
Sabes, amor, eu talvez volte!



- José de Almeida, In “Palavras de Outono”

sábado, 24 de setembro de 2011

É Nossa!

Era um Agosto demasiado quente e a estiagem tornava a irradiação mais intensa e a natureza um pouco murcha. Telefonaram-me a comunicar o falecimento do pai da senhora doutora, muito vip-vip, e como estava muito pessoal de férias era necessário que eu fosse representar os serviços e avisasse o maior número de colegas vip da vip. O calor do meio-dia amolecia-me sem apetecer sair do ar condicionado. E aonde é que eu iria buscar flores àquela hora? Lembrava-me da recomendação: uma coroa grande e bonita, não olhe a preços… As considerações que estas circunstâncias me pudessem sugerir não me impediram que fosse cumprir o meu “dever”. Calcorreei todos os lugares onde pudesse encontrar algo a condizer com a categoria do finado. Consegui muitos e variados verdes, a exuberância da natureza em Quelimane nunca faltou, mas poucas flores. Ainda assim, com o entrançado da larga fita em dois tons, a coroa ficou cinco estrelas. Quando cheguei à Igreja, havia dois funerais, isto é, dois velórios. Um não tinha ninguém à volta e apenas uns raminhos a tombar com o calor faziam “guarda de honra”. Do outro lado, o defunto tivera melhor sorte (se bem que eu pensasse que ele se estaria borrifando para tudo aquilo) muita gente a chorar, com ramos de muita boa qualidade sim, porque tudo isso pesa na classificação a atribuir a cada funeral: classe A, B, C e os normais. Pesadas e pensadas estas conjecturas, não duvidei mais: o pai da dita senhora era aquele que levava um jardim atrás de si. Com algum esforço peguei na grande coroa e depositei-a aos pés da urna sob o olhar desconfiado das pessoas presentes. Fiz de conta que não era comigo. Baixei a cabeça numa ligeira oração e saí para apanhar fresco e esperar pela vip-vip para lhe apresentar as condolências em nome do serviço. Chegou mais fresca que eu. “Sabe, fomos descansar um pouco, tem estado muito calor”. A quem o dizia…. Mas qual não é o meu espanto quando ela, o marido e mais alguns elementos da família se dirigem para o triste abandonado… Caiu-me a alma aos pés. E as flores? E a coroa? O que é que eu faço? Como o vento da monção rodopiei rapidamente para a direita onde o funeral estava prestes a sair.”Dá-me licença, por favor deixe-me passar”. Reconheceram-me: aquela que tinha posto a grande coroa aos pés do seu familiar. Abriram caminho. Peguei na coroa calmamente e retomei a cantilena: desculpe-me. Dá-me licença? Senti dezenas de pares de olhos em cima de mim. Não tinha outra saída... Com um ar pesaroso fui colocá-la aos pés a quem estava destinada. A vip-vip olhou-me agradecida e sorriu: “Eu sabia que vocês não se esqueciam”.


Fiz um esgar e recolhi-me ao banco mais escondido. O tropel do lado aumentava e eu já via os familiares do outro entrarem por ali dentro e apontarem-me: Foi a menina que roubou as flores do nosso querido… A cabeça zumbia-me e sentia os pés pregados ao chão. A doutora perguntou-me: “Quer vir connosco?” Entrei em pânico. Não, muito obrigado ainda tenho de passar pelos serviços. Imaginava já a contenda que seria no cemitério cada um a puxar pela coroa e todos a gritar: “é nossa, é nossa”!


Nota: Não é história, aconteceu mesmo!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Vem aí o Outono


Vem aí o Outono, e, para mim, esta é a mais bonita estação do ano. Já repararam como o doirado/acastanhado ou avermelhado da paisagem parece ser um esforço da Natureza a guardar dentro de si, por mais tempo ainda, a magia do Sol ? Os campos tornam-se calmos depois das colheitas diversas e abundantes - cumpriram a sua obrigação! Preparam-se para o descanso merecido. Cada vez mais entendo que também nós vivemos, na vida, as quatro estações do ano! Muitos de nós começam já a viver o outono da vida (afinal, a estação do ano que eu mais gosto…). Melancolia do outono? Porquê? Se o amarelado da paisagem é sinal de tanto que se deu à vida! Não temos o direito de ficarmos tristes - há ainda muita estrada para percorrer e talvez a visão sobre a vida seja muito mais afoita e determinada.
Há tempos, num livrinho de bolso intitulado “Felicidade”, encontrei um pensamento lindo no qual encaixei maravilhosamente o outono da nossa vida!
Era assim: “É só quando já não temos receio, que começamos a viver cada experiência, seja ela dolorosa ou feliz; A viver em gratidão por cada momento, a viver em plenitude.” Viver em plenitude, é isso que é importante, mesmo que já estejemos aposentados profissionalmente. Mas não… aposentados da vida.


Somos jovens ainda, basta acreditar, tão simples como isso. Mesmo no outono da vida, pode ser ainda cedo para conhecermos em toda a sua medida aquilo que Deus ainda nos reserva. Cabe-nos hoje cumprir em alegria e simplicidade, a parcela que nos é dado viver: O dia de hoje… A vida só engana aqueles que não esperam nada dela!
Espigas fartas… Folhas caídas! Deixá-lo… A esperança é dom de Deus em cada dia.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A Cozinha da Palhota


Alguém pensaria que uma palhota, por mais simples e humilde que fosse, não tivesse uma cozinha? Desenganem-se amigos! No interior da Zambézia, com três pedras, uma panela de ferro e um bom lume e algo para se meter dentro, teríamos um petisco de se lamber os dedos…
Mas a palhota do Zambeziana tem uma cozinha não muito moderna mas funcional onde, de vez em quando, eu cozinho os pratos da minha terra e de todo o Moçambique.


As refeições na Zambézia eram sagradas e duravam horas para degustar uma dúzia de pratos que desfilavam até ao cair da noite, misturados com boas conversas e muitas gargalhadas.
O Índico generoso fornecia-nos bom e variado marisco e suculentos peixes! A terra dava-nos o resto: carne de caça ou caseira. Da velha rota das Índias chegavam-nos os condimentos…
Os meus pais tinham um palmar, ali para os lados da Sagrada Família, com fartas clareiras e algumas palhotas indígenas que compunham o cenário africano. Os leques das palmeiras desgrenhadas abanavam-se dengosos num ventinho por demais delicioso.
Mas delicioso era o cheirinho depois de se destapar as panelas… Mesa rústica, cedida por um dos moradores locais, estendida a toalha, estavam reunidas as condições para um domingo fabuloso e… apetitoso!
O que comemos?
Ora tomem nota:

CHACUTI
Para uma galinha ou pato: primeiro faz-se um refogado – duas colheres de cominhos em pó; duas colheres (sopa) de coentros; três ou quatro paus de canela; seis ou sete cravinhos; duas ou três cebolas grandes; vinagre, azeite, coco, gengibre, canela e muito alho picado.
Depois da galinha, ou pato, limpos, cortam-se aos bocados. Dá-se uma fervura com alho picado, sal e piripiri. Não é preciso cozer muito.
Em azeite quente refoga-se: a cebola, alho picado, canela, cravinho, cominhos, coentros e gengibre até ficar bem refogado, Deita-se o coco, que depois de ralado, foi torrado e pilado. Por último, a carne. No fim deita-se um pouco de vinagre a gosto.
Acompanha com arroz branco ou arroz de coco
O nosso, foi também acompanhado com:


MUCUANE
Cozem-se folhas de nabiça, mandioca ou abóbora, com sal. Depois escorre-se a água e deita-se cebola picada, leite grosso de coco, tomate e piripiri Coze-se e depois de pronto deita-se sumo de limão, de preferência do pequenino.



PUDIM DE CÔCO
Ingredientes:
350grs de açúcar, 350grs de coco, 7,5dl de água, 8 gemas de ovos, 2 claras de ovos, baunilha.
Modo de fazer: Põe-se o açúcar ao lume num tacho com metade do seu peso de água. Logo que esteja em ponto pérola, retira-se do lume. Adiciona-se o leite de coco (meio litro) e um pouco de baunilha, arrefece e misturam-se as gemas e as claras levemente batidas com um garfo.
Deita-se numa forma untada com manteiga. Vai ao forno a cozer em banho-maria.


BOM APETITE e que passem um domingo tão feliz como nós passamos.


sábado, 27 de agosto de 2011

As Aldeias Históricas de Portugal


As Aldeias Históricas são absolutamente singulares e convidam à descoberta! Foi o que eu fiz no “vá para fora cá dentro” nestas férias.
Enquadradas em paisagens monumentais, as “Aldeias Históricas” são testemunhos mágicos da passagem dos séculos.
Feitas de granito e xisto, guardam histórias de conquistas e tradições antigas. Mantêm nas pedras das ruas e das casas o que Portugal tem de mais genuíno: a autenticidade do seu povo e o orgulho de uma História com mais de 900 anos.
Assentes no alto das serras, das suas torres e muralhas se vigiavam as terras em redor. É por isso que estão estrategicamente alinhadas ao longo da fronteira. Reis e senhores da terra sabiam que assim podiam dormir sossegados.

Comecemos por CASTELO MENDO – Edificada no alto de um morro, rodeada de muralhas, as suas portas medievais introduzem-nos pelo caminho da História, onde é possível viajar no tempo e interiorizar na flor da pele vivências tão simples do quotidiano medieval.
São emoções indescritíveis que absorvem qualquer um e não deixam ninguém indiferente.
O nome Castelo Mendo, pensa-se, teria sido o nome do seu primeiro alcaide “Meenedus Menendi” que foi o último a assinar o primeiro foral concedido por D. Sancho I em 1229.
A 1ª Feira Medieval ocorreu em CASTELO MENDO.



CASTELO NOVO - Enquadrada num soberbo anfiteatro que forma a serra da Gardunha, surpreende pelos belos exemplares de casas senhoriais das famílias mais nobres do local.



CASTELO RODRIGO - Na memória fica a beleza do lugar, a comovente imagem de Santiago Matamouros, histórias de guerras antigas e de muitos peregrinos.




LINHARES DA BEIRA- Situada na vertente ocidental da Serra da Estrela, vêem-se de muito longe as imponentes torres do seu vigoroso castelo. É uma antiga vila medieval, já habitada desde a época dos romanos; como marcas desse tempo existem muitas sepulturas, um trecho da calçada e parte do edifício actualmente chamado “Forúm de Linhares”.
O seu castelo reconstruído em 1291, durante o reinado de D. Dinis, desempenhou um papel importante na defesa da Beira Alta durante os primórdios da nacionalidade.




IDANHA-A-VELHA – É uma pequena vila que parece adormecida entre os olivais mas cujo passado histórico teve uma importância testemunhada pela catedral e pelas inúmeras ruínas, transformando-a num museu vivo. Elevada a cidade episcopal em 534, diz-se que foi aí que nasceu um rei visigodo e a velha catedral, restaurada no início do séc. XVI, ainda conserva pedras esculpidas e inscritas do tempo dos romanos. Vale a pena admirar a Igreja Matriz, renascentista, o pelourinho do século XVII e as ruínas da Torre dos Templários.




MARIALVA - Pela sua esplêndida situação sobre um monte de penhascos de difícil acesso, a aldeia de Marialva foi uma importante praça militar na idade média.




MONSANTO - Numa alta penedia onde a geografia e o clima marcam a transição entre o Norte e Sul de Portugal, é “a aldeia mais portuguesa de Portugal”, mantendo intactas as suas raízes.




PIÓDÃO - Lembra um presépio pela forma harmoniosa como as suas casas estão dispostas em anfiteatro e que se integram perfeitamente na paisagem.




SORTELHA - Coroada por um castelo assente num formidável conjunto rochoso, Sortelha mantém intacta a sua feição medieval, na arquitectura das suas casas rurais em granito.




TRANCOSO - Centro histórico com 5 torres e cubelos entre os quais se abriam 4 portas e 3 postigos, são os mais importantes e mais antigos monumentos do concelho de Trancoso. A fortaleza é anterior à nacionalidade, foi reforçada por D. Dinis com 7 torres amuralhadas, quatro das quais vãs. As actuais muralhas foram restauradas em 1173,1282, 1530 e 1940.
A Torre de Menagem, que não ocupa o centro da cidadela, é de configuração rara, com forma de pirâmide truncada, possui uma janela árabe, com arco de volta de ferradura. Esta torre, no tempo do domínio árabe, seria a torre albarrã, onde se guardava o tesouro do califado e o resultado das pilhagens efectuadas. O castelo possui restos de uma torre que foi capela da cidadela sob a invocação da Santa Maria Madalena.




BELMONTE - A história da vila remonta ao século XII quando o concelho recebeu o foral de D. Sancho I em 1199. Está conotada com os Descobrimentos Marítimos: Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brasil em 1500, nasceu em Belmonte.
A comunidade judaica abriga um facto histórico importante da sua vida, relacionada com a resistência dos judeus à intolerância religiosa na Península Ibérica.
O seu castelo foi construído no séc. XII em cima do monte mais rochoso, juntamente com os castelos de Sortelha e Vila de Touro formaram até à assinatura do Tratado de Alcanizes (1297) a linha defensiva do Alto Côa, apoiada na retaguarda pela muralha natural da serra da Estrela e pelo vale do Zêzere.




ALMEIDA – Costuma-se dizer-se”Alma até Almeida”! Esta expressão teve a sua história: um sobrinho de Junot foi gravemente ferido. A ordenança tentou conduzi-lo ao hospital mais próximo que era na praça de Almeida, ocupada, está-se a ver, pelos franceses em 1807. Sempre que o esforçado tenente desanimava pelo caminho, o soldado que o acompanhava dizia-lhe para o animar: “ Alma até Almeida, meu tenente”.
Se veio a falecer ou não a história não diz. O que é certo é que a expressão ficou, primeiro na região, depois em todo o lado sempre que se quisesse animar alguém.
Por outro lado também se diz que o castelo de Almeida é hoje um dos marcos da arquitectura militar em Portugal. Em muitas ocasiões, foi a população de Almeida que incutiu “Alma até Almeida” aos portugueses na defesa da sua nacionalidade.




Felizmente existem muitas outras povoações em Portugal que poderíamos considerar “históricas”. Estas doze foram alvo de um programa de recuperação comum que as une sob esta bandeira, apenas isso. Só nesta zona do país, a actual Beira Interior, visitei algumas fora deste contexto, Sabugal será o exemplo mais óbvio, mas há outros como Longroiva, Sernancelhe, Castelo Melhor, etc. Tive a felicidade de ter por base deste périplo a bonita vila de Penedono que alberga aquele que será, certamente, um dos mais belos castelos de Portugal. Nestes pontos a história mistura-se com o misticismo e com as lendas. As princesas encantadas, os castelos dos mouros (que nunca o foram), entrelaçam-se com os factos reais da nossa rica história. Em Penedono conta-se a lenda, entre muitas outras, de uma bela e rica princesa moura que querendo proteger o seu tesouro o escondeu na muralha do castelo, mas deixou uma artimanha. Assim, ainda hoje, se vêm duas pedras brancas a meio da muralha. Terá sido aí que a princesa guardou o seu tesouro, mas apenas atrás de uma dessas pedras, a outra encerra um terrível segredo que trará a morte a quem se atrever a o desvendar. Como ninguém sabe qual é qual as pedras perduram, até hoje, intocadas.




E foi assim, entre a bruma do tempo, a beleza da lenda e da paisagem, e o calor beirão, que passei as minhas férias.

(Este texto foi compilado com recurso a várias pesquisas na internet. Fotos, a maioria, de Nuno Machado)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O Prémio


- História contada pelo António, posteriormente meu colega de Colégio.


Ah! A terra vermelha da Morrumbala… Pegava-se à pele, à alma e à nossa vida!
O que mais gostava, nas nossas férias, era aquela liberdade de horas, de horizontes e de paz.
Ao lusco-fusco, as montanhas à volta tornavam-se lilases e à medida que o sol se escondia por detrás delas eram de um roxo forte, próprio para a despedida do dia.
A vila era pequena mas simpática. Na selva farta que servia de moldura, existiam várias clareiras onde se arrumavam a Missão, a Igreja, posteriormente o Colégio das Irmãs do Sagrado Coração de Maria e muitas cantinas (lojas do mato) que prosperavam no seu negócio muito variado. Os campos arroteados para as sementeiras mostravam pomares abrigados e um mundozito de coisas. Naquelas solidões de África era preciso ter à mão o indispensável para o dia-a-dia e para qualquer imprevisto. Os vizinhos ajudavam-se mutuamente e havia sempre alguém com uma bicicleta para ir levar o recado quando o telefone não funcionava ou até nem existia.
António, filho único do administrador da terra, andava na 4ª classe e sempre com bons resultados. Sua mãe era professora e continuava em casa aquilo que dera nas aulas.
Filho tardio de um casal que andara sempre em bolandas pelo interior da Zambézia, era cuidado como uma flor de estufa, principalmente pelo lado maternal.


Todos os anos, após os bons resultados escolares, António pedia como prenda uma bicicleta que lhe era prometida mas sempre negada a sua concretização.
A mãe conjecturava com o marido:
- Tu já viste o perigo que é o nosso filho numa bicicleta? Morrumbala não é plana… ele voaria por cima das descidas e subidas da estrada…
- Então não lhe devias ter prometido nada! Todos os anos é uma tortura para o rapaz!
António gostava de ir ter com o pai à Administração e este nem sonhava o que acontecia com o filho enquanto trabalhava no expediente do dia.
Um cipaio negro, amigo de António, emprestava-lhe de vez em quando uma velha bicicleta para ele fazer o gosto ao dedo. A bicicleta não tinha guarda-lamas, as rodas torciam-se num oito numa dança maluca e o selim afundava-se todas as vezes que havia um salto!
Uma bela manhã, António foi para a estrada de saída, estrada nacional que ligava a vila a Quelimane, cheia de subidas e descidas. Numa dessas descidas, António tirou as mãos do guiador, deixou de dar aos pedais e abrindo os braços gritou:
-Vou voar! Vou voar!
O cipaio correndo atrás dele esbaforido dizia-lhe:
- Menino pára, pára… Menino vai é para o hospital!
Quando chegaram os dois ao fim da extensa lomba, caíram exaustos.
O cipaio atreveu-se:
- E agora para subir? Olharam a vila muito altaneira, quase inatingível…
- Esperamos um pouco. - disse a António a arfar mas feliz da vida.
Tiveram sorte. Ouviram o roncar de um motor de carro e puseram-se atentos.
Era a camioneta de um dos indianos lá da vila. O homem parou e perguntou:
-Querem boleia? - Doces palavras! Num instante estavam em cima de uma montanha de mercadoria que o indiano fora buscar à capital.
Ronceiramente foram subindo a encosta e a cada solavanco quase voavam os três: António, o cipaio e a ginga!
Quando chegaram à Administração era hora de almoço e o pai já andava num desassossego olhando o relógio e a estrada.
António contou tudo ao pai. À noite, o marido teve uma conversa com a mulher:
- O nosso filho vai para o ano para Quelimane para continuar os estudos… Com certeza que não vais atrás dele! É um jovem responsável, precisa de crescer e de preparar o seu espaço, por isso, este ano, vamos dar-lhe uma bicicleta que bem a merece!
Quando António viu a sua nova bicicleta, estourou de alegria e, claro, preparou-se para um passeio!
A mãe gritou-lhe:
- Só aqui à volta do jardim! - O pai acudiu:
- Podes andar pela vila toda mas com cuidado!
António passou a fazer esse circuito, várias vezes ao dia mas controlado pelo relógio da mãe que quase desmaiava quando o filho chegava a casa com uns minutinhos de atraso!
Aquela mãe manipuladora sofria também com estes cuidados excessivos.
Um dia o pai chegou a casa e perguntou ao primeiro empregado que encontrou:
- O menino não saiu de casa? O empregado baixou a cabeça e respondeu:
- Xi, menino está muito triste… passou todo o dia na varanda e nem comeu!
O pai aflito dirigiu-se logo para a varanda para saber o que se passava com o filho e o que viu deixou-o atónito.
António sentado numa cadeira de palha olhava nostalgicamente para a bicicleta pendurada no tecto com umas cordas e suspirando imaginava as voltas que podia dar ou poderia ter dado num tempo de férias e num dia em que o sol, espreitando por entre as árvores, se ria dele.


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Meus Queridos


Meus Queridos,


Quando abri o Pc e li tantos comentários, mesmo na minha ausência, fiquei feliz! Irei a “casa” de cada um agradecer!

“Esbanja o amor às mãos cheias!
Oferece-o
Atira-o pela janela,
Espalha-o aos quatro ventos
Esvazia os bolsos
E ficarás a ter mais do que tinhas.”

- STº Agostinho

Férias Terminadas


Hoje, O Primeiro Dia

Fizemos as nossas casas
E com portas e janelas abrimo-nos ao mundo…
Visitados pelo sol e pelo vento,
Mantivemos algum tempo a unidade vital.
Depois, inventámos portas para fechar portas
E janelas para fechar janelas.
Hoje, chamamos portas e janelas não àquilo que nos une
Mas ao que nos separa. Por isso, de quando em quando
aquele choro que não sabemos de onde vem,
nem porque vem.
Hoje, o primeiro dia
Com a promessa de tantos outros,
Peço a frescura da manhã e o perfume
Da tua presença nas minhas palavras,
Que elas sejam aqui, janelas a criar laços,
A despertar a amizade, para que, juntos


Eu e todos os que as ouvem, aprendamos a celebrar a vida.
E cada manhã, no lavar do rosto,
No alinhar dos cabelos,
No abrir sempre novo dos olhos,
Deixemos, na água corrente da torneira,
O passado preso às mãos,
Para continuar a construir com liberdade;
Para soltar as rédeas do tempo,
E domar os segundos em deveres diários,
Em labores de rotina, em trabalhos continuados.
Mas, sempre em cada manhã, diante do espelho,
Sorrir para ti e agradecer-te a vida
E aprender que és maior que todas as lutas.
E que és TU, connosco, que vences os dias,
Nas curvas dos nossos caminhos.


- Henrique Manuel

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Férias


Vou ausentar-me por uns dias do computador e da vossa companhia… mas irão comigo no coração!
Espero regressar com novas energias e ideias para o Zambeziana! Procurarei fazer uma reportagem fotográfica pelos sítios por onde passar se a tanto me ajudar o engenho e a arte!
Na minha ausência deixo-vos este poema de alguém que me é muito querido e que ecoará pelas paredes da palhota.


FOGO

Relembro o fogo perdido
Das madrugadas esquecidas no tempo,
Suaves, sem som, nas margens do prazer.

Horas sem minutos, olhos nos olhos,
No mundo fechado da paixão,
Onde pouco é tudo e nada o que resta.

Perdido para sempre está o saber
De construir essas paredes de espuma e sonho.

E quando, olhos nos olhos,
Ainda te encontro nas curvas da madrugada,
Sinto o frio das frinchas entreabertas
Na casa velha da paixão feita ternura.

- José de Almeida, in “PALAVRAS DE OUTONO”

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Dingo


Passam-se tantos anos num ano de ausência… Foi isto sobretudo que ele sentiu ao regressar após cinco anos em África. Muito tempo decorrera dentro dele e nas pessoas que vinha agora reencontrar. Supunha que só ele vinha diferente e que qualquer mudança na sua maneira de ser era produto natural de uma larga vivência em terras longínquas.
A solidão marcara-o como a tatuagem de um marinheiro. Solidão e luta.
Dingo não o conheceu e atirou-se-lhe furioso como a um estranho. Dingo, o cão companheiro de todos os momentos. O cão que ele vira nascer e trouxera para casa, pequenino.
O amigo, o camarada permanente, cuja alegria dependia exclusivamente dele, que só com ele brincava e da sua mão comia. Pois afinal – o que é a força da vida! – acostumara-se a outros donos e agora, preso a uma corrente, ladrava e reagia à presença daquele que fora tudo para ele. Bem modificado vinha, de certeza. Não era apenas a barba como dizia a mãe: “Com essa barba ninguém te conhece”… Era a alma. Os cães pressentem a alma.
Tudo nele se modificara… até a faculdade de querer bem. Já não era capaz de querer bem ao cão por isso o estranhara. Olhava para tudo com um olhar distante… Para a casa, para a quinta que tanto o interessara na sua qualidade de agrónomo. “Posso deixar de existir que tudo continua sem mim… Para quê afinal o esforço de sobreviver”?
“Dingo vai levar esta carta à Laura” - E Dingo ia, de carta na boca, todo ufano, a abanar o rabo.
Há quanto tempo se passara isto? Há cinco anos. Há cinco somente. E parecia há tanto tempo… Apeteceu-lhe repetir a proeza: “Dingo, vai levar esta carta à Laura…” E silabou melhor: “à Laura!” Mas Dingo em vez de obedecer, ladrava.
Pobre Dingo sempre preso agora… “Teve de ser - explicaram. “Não podemos soltar um cão que se atira a qualquer pessoa que entre na quinta. É um perigo.”
Pensou: “Quando cá estava nunca mordeu ninguém.”
A mãe, daí a dias, como quem não quer a coisa (as mães têm um jeitinho especial para isto) falou de Laura. Que se casara, talvez ele não soubesse a novidade. Casara-se com um rapaz de Lisboa, boa gente, segundo diziam, mas de pouco dinheiro. Possivelmente entusiasmara-se com o dinheiro dela. Ele não sabia que Laura tinha dinheiro, nunca pensara em tal coisa.
Admirou-se: “Pelo dinheiro e não por gostar dela…” Não quis ouvir mais. A pergunta morreu-lhe entre os lábios: “e é feliz?” A mãe poderia dizer-lhe que não até à maneira de consolação.
E como seria mil vezes pior sabê-la infeliz… Não se importou em indagar mais. Aliás que poderia ele esperar se não lhe escrevera nunca? Natural que Laura o esquecesse…


Dias depois, notou que alguém vinha buscar Dingo para um passeio. Ouvira falar nisso desde que chegara mas o desalento não o tornara curioso. Andava alheado de tudo.
Uma tarde, observou a cena da janela do seu quarto – Uma rapariguita delgada, com um aspecto semi-intelectual, semi-desportivo, levava Dingo que, aos pulos, mostrava o seu entusiasmo sem se poder conter.
- Dingo, juízo! – e a sua voz meia autoritária, meia doce, enchia o ar de melodia.
Quem era? Pelo à vontade devia ser alguém das proximidades… Não se informou. Apetecia-lhe tão pouco falar, a sua própria linguagem o cansava. E depois o mistério rodeava a cena de certo encanto.
A mãe, sempre que podia aconselhava-o a casar e ele nem queria ouvir falar no assunto.
Entretia-se pois a assistir à cena da rapariguita com o Dingo atrás da cortina do seu quarto, como se estivesse nos bastidores e com um certo fausto teatral.
E a cena de facto repetia-se frequentemente. Até com uma certa assiduidade.
Dingo parecia adivinhar os dias em que a amiga o vinha buscar. Tornava-se veludo para ela.
A rapariga frágil como um junco e Dingo com toda a sua força, ficava manso e feliz pela sua trela… Seria a irmã de Laura, a pequenita das tranças feita mulher?! Mas não eram parecidas…
Eram agora dois a esperá-la: Dingo junto da casota todo excitado, ele, por detrás das cortinas corridas, as primeiras vezes por curiosidade, agora de sorriso nos lábios e uma esperança a crescer-lhe no coração.
Certa tarde, a mãe lançou isto no espaço:
- A Sara vem buscar o Dingo. E sabes porquê? Por ti. Quando te foste embora jurou que havia de substituir-te. Não te lembras dela?
Não se lembrava. Isto é, havia uma imagem de uma garotita de tranças… mas era então aquela jovem mulher?! Ah pois cinco anos é muito tempo…
-E porquê substituir-me?
- Não sei. Diz que o Dingo costumava levar uns bilhetes teus… qualquer coisa assim parecida. Bilhetes para a Laura, mas ela é que os recebia para entregar à irmã e ficou a gostar do cão e pronto, dá-se à maçada de o vir passear e o Dingo adora-a.
No meio do silêncio em que dormia a sua alma, qualquer coisa acordou como uma planta ao primeiro toque da primavera. O silêncio, entretanto , era ainda muito largo, muito profundo, havia camadas de neve e camadas de neve por cima daquilo que ele verdadeiramente era.
Manteve-se na posição: atrás das cortinas. Simplesmente havia agora um brilho novo no seu olhar.
- Amanhã a Sara vem lanchar cá em casa. Espero que nos faças companhia. - anunciou a mãe.
Não apareceu, mas, a partir daí, a Sara ficava sempre para lanchar depois do passeio com o Dingo. E era tão agradável o timbre das suas gargalhadas que ele deixou-se contagiar. Começou a rir também. Ao princípio, era uma presença silenciosa. Depois conversou. Os acontecimentos foram-se sucedendo lentamente, muito lentamente… até que um dia, aconteceu, aquilo que já se adivinhava.
É muito bom ter um cão!!