De repente a angústia caiu sobre mim. Não, não podia ser tinha que a sacudir. Retomei nas minhas mãos a minha alma decidida a gozar a cálida noite de Verão. O perfume das flores continuava a subir do jardim multicolor e a claridade branca das estrelas brilhava sobre o veludo do céu. Parecia e era uma imensa abóbada pontilhada de lantejoulas prateadas. Na cidade era impensável deslumbrar-me com este espectáculo. Estava feliz apesar da angústia que há pouco pairara sobre a minha primeira noite de férias.
Sentei-me no meu banco amarelo muito perto dos grilos que interpretavam a sinfonia nocturna que me faz lembrar a minha terra distante.
Os maracujás por de trás de mim começavam a pintar-se de lilás anunciando que dentro em pouco estariam maduros. Como a sua flor é linda como um poema de amor! Encostei a cabeça naquela almofada verde e olhei de novo o céu deslumbrada. Têm asas os meus sonhos...
Inesperadamente uma luz envolveu-me toda ofuscando o meu olhar. Mas o que seria aquilo? Existiriam realmente OVNIS? Senti umas pancadinhas discretas como se alguém abrisse ou fechasse uma janela, enquanto ouvia uma voz perguntar-me suavemente:
- Queres vir comigo?...
Não, devo estar a sonhar – pensei meio entorpecida.
- Quem és tu? – perguntei pensando que tudo não passava de uma ilusão.
- Sou um estrela deste céu que tanto gostas e convido-te a vires comigo espreitar lá do alto esta Terra que já foi mais verde.
- Mas como é que eu posso ir contigo? - perguntei incrédula.
- É fácil. Basta quereres de todo o coração fazer esta viagem comigo e pensares com a tua alma.
- Pensar com a alma? Que coisa mais disparatada...
- Vá fecha os olhos e pensa que iniciaste a tua viagem...
Que era feito do meu banco amarelo? E os grilos? Via apenas o reflexo rosa dos rododendros na água fresca de um ribeirito e a toutinegra cantando perdidamente. Os belos poemas que eu mais amava passavam como asas de cisne por sobre a superfície das águas que cada vez ficavam mais distantes.
Mais alto, mais alto... e voz da estrelinha ecoava pelo céu.
- Mas onde me levas? – tornei a perguntar embriagada por aquela deliciosa sensação.
- Onde quiser o teu coração. Recordas-te? Basta querer...
- Sim e pensar com a alma... repetia baixinho como um desejo.
...Como eram bonitas aquelas ruas e familiares... já teria estado por ali?
- O que é aquela casa tão grande, branca e com torres?
- É uma igreja. Uma jóia do Século XVIII, de linhas puras sóbria e espiritual também...
- Mas há muita gente a entrar nela... É um casamento não é?
- Sim é um casamento.
Eis que descortino entre a multidão uma silhueta que me é querida vestida de facto azul escuro, um cabelo feito de oiro pálido. Vem acompanhado de muita gente. Tem uma covinha no queixo e olhar ansioso. Esperaria alguém? Oiço gritar – Chegou a noiva, chegou a noiva...
Nenhum pintor conseguiria pintar aquela revelação envolta com que numa nuvem branca e jamais algum poeta poderia exprimir a emoção interior daquela jovem mulher.
- Vão ser felizes? Perguntei curiosa.
- Sim, amam-se muito mas irão sofrer. Na vida é preciso escolher e eles decidiram um caminho a dois.
- Deixa-me ficar mais tempo para ouvir o que dizem um ao outro – pedi devagarinho.
- Não podemos e tu já sabes como tudo terminará.
- Sei mesmo?
A estrelinha não respondeu – vamos, vamos depressa o Sol está a nascer e eu terei de regressar a casa.
- As estrelas têm casa?
- Têm, moram na lonjura do firmamento.
Não entendi muito bem mas segui-a no seu rasto luminoso.
Havia rosas, muitas rosas brancas que me eram oferecidas por umas mãos fortes e masculinas. O que me disse? Já esqueci tudo. Nos seus olhos castanhos dourados como tardes de Verão li tanto amor que as minhas mãos tremiam nas suas, que ele beijava murmurando palavras doces de amor. A hora da felicidade.
Ao longe há um campo de lilases em flor e a aurora que chega clareando tudo. Mas os lilases têm nos olhos gotas de orvalho. Os lilases choram?
Oh, o meu vestido branco com reflexos de pérola... sou uma noiva não é? E as fitas azuis? É um festival de luz para os nossos corações felizes. Dia radioso! As mimosas e rosas rescendem...
Por falar em rosas, onde está o meu ramo? Não o vejo. Não tenho nada nas mãos... rodo os dedos e encontro duas alianças. Duas alianças? Porquê duas? Sinto lágrimas nos olhos...
De novo o perfume das flores, o odor da terra. Oiço os grilos...
- Estavas a dormir, mãe?
- Não te rias, desci agora de uma estrela e andei por aí.
Ficamos calados. Há silêncios que nos completam e nos alimentam. Os crucificados salvam o mundo...
- Há paz nos teus olhos, minha querida senhora – e dando-me um beijo sorriu fazendo na face uma doce covinha que eu aprendi a adorar.