segunda-feira, 26 de março de 2012

A Lenda das Andorinhas


Um dia, um bando de salteadores levou para um país longínquo e estranho uma jovem rapariga. No exílio, ela chorava todos os dias atormentada pelas saudades da sua família, do lar, da sua infância e pedia a Nossa Senhora que a fizesse voltar à sua aldeia natal ainda que fosse só para ali morrer…
-Ó meu lar, minha aldeia, quando vos voltarei a ver? - Suspirava a jovem dia e noite, noite e dia.
Nossa Senhora, cheia de pena – ela que também tinha conhecido o exílio no Egipto e sentira saudades da sua casinha em Nazaré – pediu a seu filho, Jesus, que transformasse a rapariguinha numa andorinha com asas fortes e brilhantes. E assim foi!
A nova andorinha bateu as asas em voo certeiro, tomou o rumo à sua terra, indo construir o ninho sob os beirais da casa dos seus pais. Quem diria que o chilrear doce daquela andorinha era a voz da sua filha? Mas desde que ela chegara, e parecia milagre, naquela pobre casa nunca mais faltou o pão e os corações transbordavam de doce paz e alegria.
No Outono, a andorinha teve que regressar e voltou para o exílio, era esse agora o seu destino. Mas as saudades da pobre exilada nunca mais foram tão negras e tristes. Sabia que, com a chegada da primavera, voltaria sempre à terra natal. E fiel à sua saudade, ao amor por tudo quanto deixara, voltava sempre ano após ano.
Quem sabe? Quem sabe se as andorinhas dos nossos beirais não têm o coração de alguém que a vida levou para longe e que a saudade trás outra vez para junto de nós?
Benditas sejam as andorinhas, sagrados sejam os seus ninhos. É a saudade que as faz regressar ao seu lar e trazem-nos, com elas, muita felicidade.
Diz a tradição popular que os lares que elas escolhem para ficar durante a primavera e verão são abençoados por Deus.




terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera



Aí está a minha estação preferida! A natureza brinda-a festivamente. As cerejeiras estão em flor e o bendito pessegueiro do meu quintal também, ele que de há vinte anos para cá não se cansa de dar frutos maravilhosos! Foi posto ali com muito amor e eu, nas noites de luar, tenho diálogos com ele e quase o sinto estremecer de ternura.


Florindo, também, a tília, o plátano e a triste flor, sem graça, da nogueira. Cheira a laranjeira e o jasmim e a glicínia, perfumam o Dia Mundial da Árvore. Desperta o morcego, a rã e o ouriço-cacheiro. Os pardais fazem o ninho e as perdizes acasalam para povoar as florestas, hoje no Dia Mundial das Florestas. As andorinhas começaram a chegar das suas longas viagens e abeiram-se dos regatos para matarem a sede no Dia Mundial da Água. Curiosamente voltam ao mesmo ninho que deixaram em Setembro passado. No chorão do jardim, o ninho ainda está vazio… Coloquei lá, algumas folhas frescas. Sei que vêem cansadas depois de milhares de quilómetros, de África até aqui, sem GPS e sem qualquer engano no caminho. Talvez me contem notícias da minha terra…


Neste dia de Primavera, o dia e noite têm a mesma duração. Astronomicamente, o equinócio corresponde ao momento em que o sol, no seu movimento aparente, ao descrever a elíptica, corta o Equador e os dois hemisférios – norte e sul – partilham por igual o dia e noite.
E o que dizem os poetas – os clássicos e os modernos - neste Dia Mundial da Poesia?

É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha:
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!

Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida…não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!

Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta à tua espera…

Pus rosas cor -de -rosa em meus cabelos…
Parecem um rosal! Vêm desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...

- Florbela Espanca




Era o meu coração uma asa viva e turva
E pavorosa asa de anelo.
Era Primavera sobre os campos verdes.
Azul era a altura e era esmeralda o chão.
Ela – a que me amava – morreu na Primavera.
Recordo ainda os seus olhos de pomba em desvelo.
Ela – a que me amava – fechou os olhos. Tarde.
Tarde de campo, azul. Tarde de asas e voos.
Ela –a que me amava - morreu na Primavera.
E levou a Primavera para o céu.

- Pablo Neruda

segunda-feira, 12 de março de 2012

As Aparências...


Maria Júlia estava preocupada com a recuperação da saúde de sua filha que havia sido sujeita a uma melindrosa operação a uma peritonite. Depois da hospitalização, o médico recomendara ainda uns dias de cama, muito sossego e alguma dieta. Em casa, no quarto da Rosinha, havia remédios por todos os lados, a dieta sugerida e muito silêncio.
Maria Júlia e o marido, agora mais sossegados com o estado de saúde da filha, preocupavam-se com as suas faltas ao colégio e em deixá-la sozinha em casa neste momento em que a filha tanto precisava deles. Ficava entregue à Augusta, fiel criada que tratara da Rosinha desde que esta nascera. Mas um telefonema da terra, a anunciar a morte do pai de Augusta, alterou todo o programa já pensado e a sua tranquilidade em relação aos seus próprios empregos.
Nas semanas em que a filha estivera hospitalizada, eles revezaram-se na sua companhia e na assiduidade aos empregos. Nem pensar em faltar mais às suas responsabilidades profissionais.
Maria Júlia tinha pena que os seus pais morassem noutra cidade porque se assim não fosse não haveria mais em que pensar. Telefonou à mãe para desabafar a sua preocupação de momento e esta lembrou-lhe logo da prima Rosário, pessoa muito dedicada à família, amiga de todos e, principalmente, de ajudar. Tinha a disponibilidade de mulher solteira, sem encargos, vivendo de uns dinheiros razoáveis que os pais lhe haviam deixado.
- Ó mãe que bom ter-me lembrado a prima… Como é que não pensei nela?
- Telefona-lhe já, afinal a família e os amigos são para estas ocasiões.
Rosário aceitou logo muito simpaticamente o pedido que Maria Júlia lhe fazia e, no dia seguinte, estava de armas e bagagens na casa desta, resolvida a ser enfermeira e substituta da Augusta.
Maria Júlia entregou-lhe as rédeas da casa e os cuidados da Rosinha, com medicação a horas e a dieta indicada pelo médico. Agora respirava tranquila… Entregou à prima Rosário as chaves de tudo: roupeiros, gavetas, armários e dispensa. Deixou-a à vontade para fazer as ementas das refeições e confeccionar as mesmas, isto é, Rosário dispunha de tudo como sempre sonhara.
Maria Júlia dizia para o marido que se sentia quase de férias e ele concordava! Eram apaparicados com receitas de bolos e sobremesas não muito usadas em casa e pratos de se repetir sempre. Rosinha voltara ao colégio e a casa estava em ordem.
Entretanto, Augusta, passado o período do seu luto, telefonou anunciando o seu regresso.
Maria Júlia deu um bom presente à prima e quase teve pena de perder algumas mordomias.
Augusta, já um pouco restabelecida da sua perda, resolveu dar uma volta total à casa e comprar flores para a sala e o quarto da Rosinha. Ao procurar uns lençóis com bordados da Madeira não os encontrou mas pensou que, como eram muito delicados, talvez a senhora os tivesse mandado limpar à lavandaria. Mas ao abrir a gaveta das meias de vidro que Maria Júlia adorava, reparou que estava muito desfalcada. Achou tudo muito estranho… Quando a patroa chegou a casa, perguntou-lhe pelos lençóis e meias e Maria Júlia admirou-se com a pergunta. Resolveu ir com a Augusta dar uma espreitadela às gavetas e roupeiros e deu então fé que lhe faltavam muitas coisas para além dos lençóis e as meias de seda: frascos de bom perfume, duas camisolas de marca compradas em Paris, os sapatos italianos, outros objectos e até ouro.
Pensou que, durante quase um mês, tinha albergado uma ladra em casa.
Dias depois, Maria Júlia encontrou inesperadamente, numa rua movimentada da cidade, a prima Rosário. Ia à sua frente com uma outra pessoa, num passeio cheio de gente. Mas era ela, sem dúvida, mostrando o seu vulto airoso que escondia a idade. Era alta, magra, com umas pernas bonitas… Bonitas pernas e Maria Júlia reparou que ela trazia as “suas” meias de vidro.
Apressou o passo e bateu-lhe no ombro. A prima Rosário voltou-se surpreendida e um pouco sufocada. Tentou fechar o casaco mas, Maria Júlia bem viu que, por dentro, a prima trazia uma das “suas “ camisolas e ao peito, o fio que o marido lhe dera.
- Oh! Que surpresa tão agradável. Como está a Rosinha? - Maria Júlia pensou que além de ladra ela era uma grande descarada.
-Está tudo bem! Boa-tarde! - E virou-lhe as costas antes que a sua boa vontade e o reconhecimento pelo favor recebido dessem lugar a uma ira justificada e com direito a polícia.
Quando chegou a casa telefonou à mãe e disse-lhe:
- Mãe, por favor, quando alguém da família precisar da ajuda da prima Rosário, não a recomende a ninguém. Pode ser boa rapariga mas que não é de confiança, isso não!
E Maria Júlia contou à mãe o desbasto que a prima havia feito lá em casa.
- Minha filha, desculpa, eu só queria ajudar-te mas… é bem certo o ditado : as aparências iludem!

quinta-feira, 8 de março de 2012

Não Está Cá Ninguém!



Não Está Cá Ninguém!



São negros, Senhor, os dias que contemplo;
O futuro, é passado em meu desejo;
Entre minh’alma e meu corpo, todo eu sobejo,
Numa simples miséria dormente, sem exemplo…


Rogo a Deus que me permita esta graça
De saber que a negritude que me avança,
Não é mais trágica do que aquela que descansa…
Saber que tudo isto não existe, é uma farsa!


São negros, Senhor, os sóis, que me iluminam,
E as estrelas, lá longe, já não brilham…
O Mundo enfraquece, e o Universo escurece;


E até a divina luz de Deus desfaleceu,
Pois a verdade que provoca e que não esquece,
Para sempre lembra: meu pai morreu!



- Nuno Machado,
Vila Nova de Gaia, 13/4/99